O fogo na floresta, Marcelo Ferroni, 2017

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O fogo na floresta, de Marcelo Ferroni, 2017.

Muito fraco. A personagem principal, Heloísa, não desperta no leitor nenhum sentimento, nenhuma empatia ou ódio ou nojo ou raiva ou admiração. Nem mesmo se consegue torcer pela personagem. Ela desperta tédio. Uma mulher irresponsável e desleixada que mantém um casamento falido e um filho mal-educado. Talvez possa despertar pena.

Heloísa, separada do primeiro marido, fica grávida, sem querer, de um rapaz com quem namorava de leve. Tem um empreguinho sofrível, não sabe sobreviver nos meandros da empresa, não é competente nas suas tarefas, administra pessimamente sua casa e suas finanças, o filho tem deficiências no desenvolvimento, não gosta do marido com quem casou por causa do filho, inicia um caso com um enrolão e por aí vai. É de notar que todos os homens com quem ela se relaciona, exceto o pai de seu filho, são enrolões, malandros cariocas.

As “conversas corporativas” e sobre negócios são imensamente chatas – já o são na vida real, por que alguém sentiria prazer em ler sobre tal assunto? reuniões de empresa, intrigas de escritório. Os trechos sobre uma expedição fracassada na Antártida estão completamente fora do contexto do romance, parecem enxertos para engrossar as páginas, totalmente desnecessários à história.

A vida de Heloísa é uma “tempestade perfeita” e o livro termina sem solução para qualquer um dos personagens. O autor poderia aprender algo com Celeste Ng, autora que sabe contar uma história e não deixa pontas soltas. A mim, me parece, que o autor não soube como concluir a imensa confusão da vida de Heloísa.

Trechos:

Matias, o que você está fazendo aí? Como? Mas você nunca faz isso, você nunca quer fazer isso quando estou aí, é só eu viajar que você fica todo animado, você não vai nem me perguntar como foi a apresentação?

Administrava os próprios horários, trabalhava só para si e, o melhor, seu escritório era em casa. Nas fotos que havia postado, bebia feliz no meio de uma turma na mureta com vista para o mar da Urca, estirava-se numa cadeira de armar na praia de Copacabana (a barriga bronzeada), fazia sinais de joia com ambas as mãos ao lado de um chef de cozinha (…).

Bolinhas subindo felizes na taça, ela toma um gole pequeno, que delícia, Matias é um caipira, se não é cerveja ele logo reclama de dor de cabeça, ou diz que é caro, mas não, não vai pensar nele agora (…).

Carlos Alberto queria saber o que ela estava fazendo, ela disse que não era da conta dele. O celular vibra mais uma vez. Ele responde que gostaria que fosse. Ela diz rsrsrs, ele diz que está falando sério, gostaria de ouvir a voz dela, ela responde que também gostaria mas está no meio de um jantar e não pode falar agora.

Trocam juras de amor, sim, sim, ele vai ligar, já está sentindo saudades, ela também, me ligue, te ligo, a gente se fala. Olhe, seu elevador chegou.

Digita ansiosa para Carlos Alberto. Passaram-se três dias e ele continua desaparecido. Tudo bem aí?

– Queria passar o dia inteiro com você. – Eu também, eu também queria, diz Heloísa, brincando com os pelos do peito de Carlos Alberto.

Queria levar você a restaurantes, beber bons vinhos sem se preocupar com nada. – Eu também, eu também. Carlos Alberto respira fundo, seu peito se ergue e abaixa numa marola.

(O marido) Tinha aptidão artística e precisava de tempo para botar no papel uma peça em três atos que vinha gestando nos últimos meses, entre outros projetos.

Pausa por um momento porque o celular vibrou, ela o puxou da bolsa. Havia uma mensagem de Murilo, Quero te ver hoje gata. Gata? Ele nunca me chamou de gata.

Ela viu as roupas jogadas no chão, os tênis desconjuntados, jornais velhos e até um prato com migalhas, antes de adormecer também. Jura que teve um começo feliz.

No final daquele dia funesto, sozinha no apartamento vazio, Fátima lhe pergunta ao telefone. Mas vocês não usavam, tipo, camisinha? Algumas vezes sim, pensa Heloísa. Outras não.

Dona Inez diz que o leite dela deve ser fraco. Heloísa fala a Matias, assim que ela sai do quarto, que não quer mais aquela megera na casa deles. Matias fica parado, olhando com ódio para a parede.

O choro do bebê ocupa todos os poros de Heloísa. Ela mal pode tomar banho. Quando abre os olhos, entre um leve suspiro e outro, sente-se agrilhoada a uma realidade da qual não poderá nunca mais fugir.

(…) algumas meninas conversam, todas elas com vestidos curtos estampados, cabelos alisados e compridos, com luzes. Pernas torneadas que Heloísa nunca vai ter, muito magras, cinturas finas, esperem só se tornarem mães para ver.

Cláudio Mário ajeita os cabelos a uma certa distância e não sorri. Heloísa sabe que ele odeia ser tocado, não é de hoje, mas nunca viu um serviço tão completo.