Gonçalo M. Tavares

Tenho muito interesse em conhecer o processo produtivo dos escritores famosos e não tão famosos, em especial quando os próprios contam como fazem para criar a obra literária. Processo produtivo parece expressão de fábrica, do capital, da economia, mas penso que se aplica neste caso, na literatura. Reproduzo, abaixo, trecho de notícia da Folha de São Paulo no qual se descreve um pouco dos métodos de Gonçalo M. Tavares, escritor português.

Folha de São Paulo – 28/12/2015 – Ilustrada

DEIXAR DE MOLHO

Tavares só começou a publicar em 2001, aos 31, quando tinha muito material acumulado. Desse aprendizado trouxe a “metodologia de escrever um livro e deixá-lo sete, oito anos de molho”.

“Quando volto [ao texto] é como se fosse outra pessoa; já esqueci completamente do livro e posso me transformar num leitor para decidir o que fazer, mudar, cortar.”

E quando foi escrito “Uma Menina Está Perdida…”? Tavares não sabe ao certo. Acha que a primeira versão é de 2002 ou 2003. Até hoje diz que o final do livro o perturba.

“É forte, tem uma potência que me aflige. Não sei o que aconteceu. Na vida, muitas vezes não sabemos os porquês das coisas. A vida é qualquer coisa que começa no meio. Cruzamos com uma pessoa e desconhecemos o seu trajeto. O romance é como um percurso do meio.”

Tavares evita tratar de futuros projetos e do que ainda tem na gaveta. “Não tem uma ordem nem uma lógica. Tenho coisas que me dão tranquilidade de sentir que estou fazendo um percurso desde a fundação. Não sinto pressão.”

Mesmo assim, diz que tenta manter uma disciplina para trabalhar. Diariamente fica até quatro horas isolado do mundo, sem internet, escrevendo e lendo no seu ateliê. “É a minha sala do século 19; depois volto ao século 21.” Nas horas vagas, o escritor gosta de caminhar. Carregando caderninho, caneta e livros, percorre as ruas do centro de Lisboa. De vez em quando para em um café e toma notas. “O que vejo não tem a ver com o que vejo de forma concreta. São gestos, olhares que, de alguma maneira, vão ser transformados. É a energia do ser humano.”