A outra volta do parafuso, Henry James, 1898

A outra volta do parafuso, Henry James, 1898, 199 páginas, tradução de Paulo Henriques Britto, Penguin Companhia. Início: 08/02/2021 – Fim: 13/02/2021. Nota 2 (escala de 1 a 5).

Aviso de spoiler: vou escrever sobre todo o enredo do livro, continue por sua conta e risco.

Lendo por curiosidade mais este conto vitoriano da época de Drácula, Dorian Gray, Jekyll e Hyde. Não entendi o motivo de colocar o título como “A outra volta do parafuso” quando o título original é “The turn of the screw”. Não gostei do posfácio, um dos mais fracos que já encontrei em edições Penguin.

Enredo.

Um grupo está reunido para contar histórias de terror na época do Natal. Douglas diz que tem a melhor história. Ele lê o manuscrito que lhe foi deixado por uma conhecida.

Na juventude, ela foi contratada para ser governanta e professora de duas crianças na propriedade Bly, interior da Inglaterra.

As crianças são maravilhosas e extraordinárias: Miles, dez anos, e Flora, oito anos. Porém, a professora começa a ver aparições, um homem e uma mulher. Descobre que os fantasmas são semelhantes a ex-professora e a um criado, ambos mortos recentemente. Enquanto vivos, o casal manteve relações “infames” entre si e relações “perturbadoras” com as crianças.

A governanta acha que os fantasmas querem as crianças mortas, para si. Tenta salvar as crianças dos fantasmas. Manda a menina embora da propriedade. Fica na casa com o menino, mas o menino morre, de terror ou de susto.

Parece simples, mas não é.

Observações.

1 – Henry James, no prólogo no qual Douglas introduz a história do manuscrito, faz com que o leitor adquira confiança na narradora, a jovem professora e governanta. Douglas a conheceu muito tempo depois dos fatos narrados, uma mulher extraordinária e digna. Essa confiança que James instila no leitor é um truque. A narradora é realmente confiável? Há realmente fantasmas na propriedade?

2 – Bem, fantasmas não existem. Mas estamos lendo uma história de fantasmas. A narradora diz que vê os fantasmas. Acreditando nela ou não, a história é repleta de estranheza e perversidade.

3 – O criado Peter Quint e a professora anterior, senhorita Jessel, eram “infames”. Observe-se que a literatura da era vitoriana, sugere, mas não usa as palavras “sujas”. Quint e Jessel mantinham um relacionamento sexual, amoroso, apesar de serem de classes diferentes. Uma dupla infâmia, não respeitar a casa e unirem as classes. A terceira infâmia, e monstruosidade: Quint passava longos períodos com o menino e Jessel com a menina. É evidente que Quint abusava sexualmente do menino, com a complacência de Jessel. Talvez a menina também fosse abusada, pela professora, por Quint, ou ambos.

4 – A senhorita Jessel sai de férias e morre, não se sabe de quê. Quint, bêbado, sofre um acidente e morre.

5 – A narradora diz que vê os fantasmas e deduz que eles querem as crianças. Os fantasmas querem as crianças para que elas os acompanhem na pós-vida de tormentos.

6 – O menino foi expulso da escola e, era vitoriana, o diretor não disse o motivo. A narradora descobre, a muito custo, o motivo: o menino “disse coisas” aos colegas, não a todos, apenas àqueles de quem ele gostava. É evidente que essas “coisas” são de ordem sexual, e derivadas dos abusos que sofria.

7 – Somente a narradora afirma ver os fantasmas. Durante uma aparição de Jessel, a senhora Grose, a criada mais antiga, diz que não vê, bem como a menina Flora.

8 – Flora adquire aversão à narradora, depois desse episódio da aparição em que a narradora a pressionou para dizer o que via. No entanto, para a senhora Grose, a menina usou de um linguajar pavoroso. Esse “linguajar” pode derivar também dos abusos que a menina sofria, ou do que o irmão contava a ela.

9 – A narradora mente para a senhora Grose: houve mais uma aparição da senhorita Jessel e a narradora disse que a fantasma falou com ela, o que não ocorreu.

10 – Fantasmas não existem na vida real. Portanto, a narradora é louca. Ou é uma mulher ansiosa por atenção, que foi ignorada pelo homem extraordinário que a contratou. Essa narradora percebeu a estranheza da situação, os possíveis abusos sofridos pelas crianças, a monstruosidade e inventou os fantasmas, conscientemente, para se dar importância, para chamar atenção do “patrão”, tio e tutor das pobres crianças. Ou sua imaginação fértil, ou sua leve insanidade, a fizeram ver as aparições.

11 – Neste sentido, a professora louca pressionou tanto o menino para saber o que realmente acontecera, assustou tão imensamente o menino que ele não resistiu e morreu.

12 – O menino não fala de fantasmas. Mesmo sutil, as falas do menino remetem a sexo: “a senhora sabe o que um garoto quer”. A narradora, completamente insana, compara o fato de ficar a sós com o menino com uma noite de núpcias.

13 – Considerar que fantasmas existem, naquela história, não muda muito. A narradora nutre uma paixão imensa e não correspondida pelo “patrão”. Enfrentar os fantasmas é uma forma de corresponder ao que o patrão espera dela e se engrandecer aos olhos dele, um dia. Fantasmas existem e as crianças foram abusadas por pessoas vivas e pelos fantasmas dessas mesmas pessoas. Os fantasmas venceram, o menino morreu. A menina foi levada embora, mas há limites geográficos para fantasmas?

14 – O livro termina de forma abrupta, com a morte do garoto. Ora, a morte de um menino nas mãos de uma professora não é algo que fosse de fácil resolução. O tio deveria ser comunicado e participar profundamente da investigação. O livro sequer volta para a reação daquele grupo que escuta a história.

15 – Henry James recheou o estilo da professora de frases rebuscadas, ninhos de frases, umas dentro das outras, sem acrescentar nada ao sentido. O texto da narradora é tedioso e difícil, muitas vezes. As crianças são magníficas, extraordinárias, as mais belas, as mais perfeitas. Indício da insanidade da narradora? Não existem crianças assim.

16 – Enfim, uma novela que dá o que pensar, mas que não é bem resolvida e, em grande medida, desagradável de ler pelo rebuscamento e por tudo que se esconde atrás de “infâmias” e “monstruosidades”.

Resumo dos capítulos.

Começa com um prólogo. Um grupo de amigos se reúne para contar e ouvir histórias fantásticas. Douglas diz que tem uma das melhores. É um manuscrito que lhe foi entregue por uma governanta, dez anos mais velha do que ele. Na juventude, ela foi contratada para cuidar de duas crianças no interior da Inglaterra.

Capítulo 1.

Começa a leitura do manuscrito. A narradora é uma jovem professora. Ela chega à propriedade Bly para ser a governanta e preceptora das crianças.

Capítulo 2.

As crianças são Flora e Miles. Ele foi expulso da escola, não se sabe o motivo. A governanta anterior saiu de férias e morreu.

Capítulo 3.

A narradora vê um homem no topo de uma das torres da casa. Primeira aparição do homem.

Capítulo 4.

A narradora vê em uma janela o mesmo homem olhando para dentro da casa. Ela sai para falar com o homem, não há ninguém. Segunda aparição.

Capítulo 5.

Pela descrição que a narradora faz do homem, a senhora Grose diz que deve ser Peter Quint, que foi criado do patrão e já morreu. O fantasma estava procurando por Miles.

Capítulo 6.

Quint mandava em tudo na casa, inclusive nas crianças. Comportamento suspeito com as crianças. A narradora e a menina no lago: o fantasma de uma mulher. Primeira aparição da mulher.

Capítulo 7.

Era o fantasma da senhorita Jessel, a governanta anterior, mulher infame, mantinha relações com o criado Quint. As crianças também veem os fantasmas, mas disfarçam, de acordo com a narradora.

Capítulo 8.

O menino ficava com Quint, a menina com Jessel.

Capítulo 9.

Terceira aparição de Quint, no patamar da escada.

Capítulo 10.

Segunda aparição da senhorita Jessel, no primeiro degrau da escada. O menino fora de casa durante a madrugada.

Capítulo 11.

O menino diz que saiu de madrugada porque é mau.

Capítulo 12.

A narradora acha que os fantasmas querem as crianças; querem que as crianças morram para ficar com os fantasmas.

Capítulo 13.

A narradora acredita que as crianças veem constantemente os fantasmas e até obedecem a eles.

Capítulo 14.

Conversa estranha com o menino; subentendidos. O menino quer saber se o tio sabe a “vida que ele está levando”.

Capítulo 15.

Terceira aparição da mulher, sala de estudos.

Capítulo 16.

A narradora mente e diz à senhora Grose que a aparição falou.

Capítulo 17.

Nova conversa estranha com o menino.

Capítulo 18.

O menino distraiu a narradora com música e a menina saiu da casa.

Capítulo 19.

A narradora e a senhora Grose encontram a menina do outro lado do lago.

Capítulo 20.

A narradora vê o fantasma da senhorita Jessel. A menina e a senhora Grose afirmam não estar vendo nada.

Capítulo 21.

A menina não quer ver a narradora nunca mais e usa de linguajar pavoroso. Após combinar com a narradora, a senhora Grose vai embora da propriedade com a menina.

Capítulo 22.

O menino percebe que ficou apenas com a narradora, na casa (e os criados, que não contam). Como um casal em núpcias, enfim sós. Muito estranho.

Capítulo 23.

A narradora insiste com o menino para saber o motivo da expulsão da escola.

Capítulo 24.

O menino conta que “disse umas coisas” para outros meninos, apenas de quem ele gostava. A tensão cresce; narradora diz que está vendo Quint na janela e quer obrigar o menino a olhar. O coração do menino para, ele morre.

Os amigos dos amigos, Henry James

Contos fantásticos do século XIX escolhidos por Italo Calvino.

Os amigos dos amigos, Henry James, 1896. Este foi o conto do qual mais gostei porque o fantástico aqui é prosaico, dispensa adereços e fogos de artifício, além disso escrito com a maestria de James.

Uma moça está viajando, longe de seu país. Ela visita um museu e, em uma das salas, há um homem sentado. Ela não presta atenção nele, mas logo tem a surpresa: é o pai dela que está ali. Ela corre na direção dele, perguntando o que houve, e o pai desaparece. Horas depois, ela recebe a comunicação de que o pai morreu naquela manhã. Um rapaz está na universidade, longe de sua cidade natal. Certo dia, volta para o alojamento e vê sua mãe esperando por ele na porta do quarto. A mãe sorri para ele e abre os braços. Quando o jovem vai abraçá-la, ela desaparece. Na manhã seguinte, o rapaz recebe a notícia da morte da mãe.

Aquela moça e este rapaz, alguns anos depois, têm vários amigos em comum e que conhecem as experiências de ambos. Os amigos tentam por diversas vezes realizar um encontro entre os dois e nunca conseguem. Os acontecimentos conspiram para que eles nunca se conheçam. Ambos mostram-se dispostos ao encontro mas o tempo passa e não chegam a se conhecer. Outra semelhança entre eles é que ambos evitavam ser fotografados, detestavam fotografias e, assim, não podiam se conhecer nem mesmo por imagens.

Enfim, ele estava para casar, a noiva era uma amiga de longa data que conhecia a ambos e que já havia tentado reuni-los. A noiva pediu, como presente de noivado, que fosse marcado um encontro na casa dela para romper o “feitiço”. O encontro foi marcado. A mulher tentou recusar, disse que, depois de tanto tempo, sentia um “medo extraordinário” desse encontro. A noiva não aceitou desculpas e ficou tudo acertado para o final de semana.

Todavia, a noiva principiou a ficar com ciúme do encontro que ela própria marcara: e se eles, os dois “videntes” fôssem destinados um ao outro? E se eles se apaixonassem? Sendo assim, a noiva fez confundir os horários de modo que a mulher e o noivo estivessem na casa da noiva em horários diferentes e não se encontrassem. No dia seguinte, arrependida do artifício, a noiva foi até a casa da mulher para se desculpar e contar a artimanha. Em vão: a mulher havia morrido durante a noite. A noiva foi à casa do noivo comunicar a morte da mulher. Impossível, diz o noivo, porque na mesma noite ela esteve aqui para me visitar. A mulher não bateu na porta, apenas entrou na sala, o homem compreendeu quem ela era, ela fez sinal de silêncio e eles apenas ficaram se olhando por muito tempo.

Pouco tempo depois, o noivado termina: a noiva percebe aquilo que o homem busca esconder. “Você a vê – você a vê, você a vê todas as noites!”, diz a ex-noiva, “Você a ama como nunca amou e, paixão por paixão, ela devolve com inteira reciprocidade!”. A moça nunca casou, o homem nunca casou. Poucos anos depois, ele teve uma morte súbita, sem que se soubesse a causa, “foi uma resposta a um chamado irresistível”.