O sonho com Isabel. Foi um sonho dentro de outro sonho, muito estranho. Eu não era bem eu e Isabel não era bem Isabel, mas semelhantes. Outras vidas, outros universos, até melhores do que esse aqui.
Ele aportava em uma baía luminosa com muitos veleiros, água azul do mar, dia de sol. A cidade subia pelas colinas em volta da baía. Como era sonho, ele viu a baía lá de baixo, na chegada, no cais de madeira do porto, e quase ao mesmo tempo, percebia a baía vista de cima, os veleiros ancorados. Ele subiu as ladeiras da cidade correndo. Uma cidade como Granada, que não é perto do mar mas tem colinas, uma cidade como São Francisco, e menos como Olinda, que não tem uma baía. Uma cidade antiga, como as cidades portuguesas. Subia uma ladeira correndo sem sentir cansaço nem o peso do corpo, leve, leve. Uma moça subia pedalando e desistiu no meio da ladeira, desceu da bicicleta e empurrou, e ele seguiu correndo leve. Paralelepípedos. No topo de uma ladeira, escadarias como em Granada continuavam a subida. Ele subia ansioso, levava um pequeno pacote, um presente simples para ela.
A casa dela era lá em cima, em cima, uma rua quase plana, e paralela à baía lá em baixo. A casa dela era na esquina, ela morava no andar de cima de uma casa antiga, um apartamento pequeno; para chegar no primeiro pavimento havia uma escada externa com guarda-corpo de ferro trabalhado, tudo antigo. Ele notou que estava tudo fechado em cima, olhou na esquina, foi para lá e para cá, dobrou a esquina de novo e, quando voltou à rua principal, ela subia a escada, já ia pelo meio. Ela usava uma blusa vermelha colada, os peitos pequenos que ele conhecia bem, uma saia curta de jeans. Os cabelos estavam diferentes, não lisos, não os de sempre, e ele nem achou estranho, estavam ondulados. Ela sorriu, subia com uma amiga, acenou para que ele subisse, ele pulou degraus e foi entrando no apartamento com ela e a amiga, que ele não conhecia.
Ela abriu as janelas, o piso era de madeira escura, como o das casas de Olinda e Ouro Preto. Ele chegava de viagem, como um marinheiro, mas ele nunca fora marinheiro na vida, tampouco velejava na vida, sabia nada de barcos, sonho é assim. Falaram da viagem, ele entregou o presente, algo que trouxera de longe, não ficava claro o que era, um artesanato de uma ilha distante, um livro, quem sabe. Nada valioso, somente mostrar que a mantivera no pensamento. A amiga dela fez um comentário, dirigindo-se a ela, foi como “ele ganhou pontos com você”. E ela disse desse modo “ele não precisa ganhar pontos, ele já tem todos os pontos necessários”.
Daí, ela começou a cuidar da casa, arrumar alguns objetos, frutas, compras, não se sabe, e colocou roupas na máquina de lavar; os móveis e equipamentos estavam todos mais ou menos no cômodo principal, e havia ainda um quarto ou dois. A máquina ficava perto de uma prateleira de madeira antiga. Com um canivete suíço, ele gravou algumas palavras na parte de baixo da madeira antiga, sem que ela visse, em um momento no qual ela foi ao quarto. A frase, quem sabe o que diria, talvez “eu estive aqui”, ou algo mais romântico, algo de saudade.
Eles se despediram sem beijos, nada grandioso, um roçar de rostos, nariz. Ele foi para a casa dele, não era longe, ela ficou cuidando das coisas da casa. Então, ele acordou na casa dele e percebeu que fora um sonho. Mas, ele sabia, era verdade, ela existia e morava ali perto na casa do sonho e eles moravam naquela cidade do sonho. Ele telefonou para ela e contou o sonho, ela gostou do sonho dele, e ele contou que, absurdo, no sonho, havia gravado palavras na madeira antiga que havia por trás da máquina de lavar roupa, ora ele nunca faria isso acordado, riscar uma madeira. Ao telefone ainda, ela foi até a máquina de lavar, puxou-a para a frente e encontrou ali atrás as palavras que ele em sonho rabiscara.
Então, ele acordou do sonho e se viu na vida real, essa aqui sem graça e cinza, sem veleiros, sem baía, sem blusa vermelha, presentes, madeira, nada.