O que deu para fazer em matéria de história de amor, Elvira Vigna, 2012

O que deu para fazer em matéria de história de amor, Elvira Vigna, 2012, 208 páginas, Companhia das Letras.

Li uma entrevista de Elvira Vigna no jornal Rascunho e gostei da entrevista. Decidi dar uma chance a ela, ler um livro dela. Em geral, me decepciono com os autores brasileiros atuais. Dei a chance, comprei esse livro. Não gostei. De início, até pensei que não daria outra chance a ela no futuro, todavia, ao final do livro, verifiquei que é possível ler outro dela um dia. O livro melhora no final.

A história, em primeira pessoa, a mulher, sem nome, rememora, relembra ou discorre sobre seu longo relacionamento com Roger, um filho da puta qualquer. Enquanto o faz, lembra ou imagina situações ocorridas entre dois casais de alemães, dos quais Roger descende.

Não gostei:

1. A personagem principal é uma mosca morta. Roger não gosta dela, em nenhum momento esse Roger demonstra sequer carinho por ela, mas a mulher fica lá, em volta dele, como sapo no pé do boi, submissa, opaca.

2. A autora usou aquele pequeno truque, alguns chamam isso de técnica, para mim é artifício inútil, de contar o início no final. Depois de noventa por cento do livro lido e sabido, entra-se na parte mais cronológica, mais contação de história mesmo. Não entendo, completamente, por que tantos autores insistem nessa bobagem, é para ser moderno, penso, de fazer um livro sem a vontade de, simplesmente, contar uma história 1, 2 ,3, A, B, C. Deve ser, em alguma medida, para obrigar o leitor a voltar ao início e recuperar o que perdeu porque ela só contou o início lá nos últimos capítulos. Para tornar o livro mais misterioso. De todo modo, a autora sugere, em algum ponto, que quer fazer uma fileira de dominós ao contrário, os dominós levantam em vez de cair, até que tudo adquira sentido. Para mim, não uma boa escolha.

3. A autora interrompe o voto de confiança do leitor, o leitor dá à autora essa oportunidade: vá, me conte uma história, me faça entrar em um universo criado por você, todavia a autora quebra essa contação de história para dizer: não sei agora o que fazer com Rose, não sei como foi isso, não consigo imaginar. Ora, se a autora não consegue imaginar a história, como pode ser autora?

4. A autora insiste em usar os verbos no presente quase que o tempo todo. Não importa se conta de ontem ou de dez anos atrás, é sempre verbos no presente. Confunde, incomoda, é irritante, é imotivado, é para ser moderno, deve ser.

Enfim, a história de uma mulher fraca, submissa, apagada, insípida. O enredo até anda, para a frente, evolui, mas demora a engrenar, a autora parece ter dificuldade em contar, em narrar, dispersiva. De todo modo, valeu a pena ler e pretendo, um dia, vai demorar, ler outro dela.

Trechos.

“E aí, a partir deste quase ponto-final, como um dominó ao contrário, uma vez este quase ponto-final obtido, tudo se levantará ordenadamente na minha frente.”

“As coisas, e mesmo as lembranças que ficam delas, tendem a aplastar quando há um caldo quente no lugar do ar. É uma das vantagens dos trópicos. Nada fica pontiagudo, machucando, por muito tempo. Derrete.”

“Trepadas-preâmbulos, sem resultar em gozo, mas sendo uma espécie de aperitivo, preparo interessante para a próxima.”

“Sei do susto ao perceber: se o bebê é dela, e de fato é; se de fato tanto faz o homem, e de fato tanto faz; bem, para os homens isto também é verdade. Se comportam como o bebê sendo com certeza dela. E, portanto, tanto faz se chora ou ri, se tem dente ou nadadeira, conquanto que seja longe e não atrapalhe os assuntos sérios, os assuntos de homem.”

“Com eles trepei ganindo como se não houvesse amanhã.”

“E nossos tantos reencontros foram fruto de acasos cuidadosamente preparados por mim. Armados com artimanhas e a cumplicidade de amigos em comum. Eu. Não ele. A procurar sempre reaproximações, olhares, mãos, eu-te-amos.”

“Digo que o que eu gosto, nas mulheres que dançam música espanhola com suas longas saias pretas e sapatos pesados, é do cheiro de suas bocetas quentes, não lavadas há tempo, vibrantes por causa dos golpes do sapateado vigoroso.”

“É de Ernst que traço a origem da persistência com que Roger se dedica, por tantos anos, ao que chama de sexo em estado bruto. E que consiste em idas a saunas onde o esperam toalhas sempre brancas e efebos menos brancos.”

“Amaram-se então mais do que eu possa sequer imaginar. Amaram-se não no bom, mas no pior. Quero dizer, incluindo a merda de cada um, o mau hálito, a amargura vinda do estômago e as outras, vindas do resto todo.”