As Nuvens, Aristófanes

As Nuvens, Aristófanes.

A comédia grega é inferior à tragédia. As tragédias tratam de temas universais. As comédias são locais, eivadas de referências e piadas que só faziam sentido para o público ateniense da época. Fala-se de maus administradores, de homossexuais, de celebridades locais – como Sócrates – sempre criticando e zombando. Daí que, apesar da curiosidade e da leveza, é difícil entender todo o contexto das peças.

As Nuvens é a comédia de Aristófanes que zomba de Sócrates – e dos filósofos da época – mostrando que sua forma de argumentação pode ser usada para qualquer fim, inclusive enganar os outros e que, muitas vezes, a filosofia não tem utilização prática.

Estrepsíades está cheio de dívidas causadas pelo filho, Fidípedes, que se diverte com corridas e cavalos. Ele procura, então, o Pensatório (Phrontistérion), a escola de pensamento de Sócrates. Lá, Estrepsíades não entende nada do que Sócrates tenta ensinar (mesmo considerando que não é propriamente ensinamentos socráticos e sim uma paródia). Os ensinamentos são absurdos, escrachados e obscenos ou de métrica e versos. A distância do pulo de uma pulga, o mosquito zune pelo cu, um lagarto cagou na cabeça de Sócrates, discípulos de cu para o céu para estudar astronomia.

Uma curiosa norma ateniense: se alguém julga que há objetos roubados seus em uma casa, pode entrar lá para fazer uma vistoria, mas deve entrar nu para não plantar as provas.

Estrepsíades quer aprender uma argumentação que faça com que ele não tenha que pagar suas dívidas: quer perverter a justiça, escapar dos credores. As Nuvens são os verdadeiros deuses, de acordo com o Sócrates da peça. Sócrates percebe que Estrepsíades é estúpido. Este declara: “Para que me ajudarão os ritmos no pão de cada dia?” Sócrates manda-o embora. Ele volta com o filho, para que Fidípedes estude. Sócrates deixa, então, o rapaz com a argumentação justa (melhor) e a injusta (pior) para que elas, personificadas, ensinem ao rapaz.

Ganha a argumentação injusta. Aparentemente, o rapaz ensina ao pai como argumentar e enrolar os credores: os argumentos são enviesados, frágeis, os credores vão embora procurar a justiça. Fidípedes dá uma surra no pai usando do mesmo tipo de argumentos, como: quando eu era criança, você me batia porque queria meu bem, então te bato também agora, quero o teu bem. Raciocínios tortuosos. É tudo uma zombaria acerca dos métodos filosóficos.

Estrepsíades e seu servo destroem o Pensatório e atacam Sócrates e os discípulos, e fim.

Esta comédia é uma paródia da filosofia, mas também revela a opinião de muitos, antigamente e ainda hoje: a filosofia não serve para nada, é discussão inútil e ainda pode engabelar os trouxas. É um texto francamente hostil à filosofia e a Sócrates. Não há certeza de que a peça contribuiu para a condenação de Sócrates à morte. A distância entre a exibição da peça e o julgamento e condenação de Sócrates é de vinte e cinco anos, tampo considerável. Mas, o que sabemos com certeza acerca dos gregos?

Consultei duas traduções da peça (UFRGS e Mário da Gama Kury) e há relevantes diferenças, o que evidencia as dificuldades de tradução, a necessidade de notas explicativas e interpretação, e as opções e preferência de cada tradutor. Seguem exemplos das diferentes traduções. Apesar das diferenças, o sentido geral é preservado.

Ai… Quem me dera a casamenteira que me persuadiu a casar com a tua mãe tivesse tido uma morte horrível! Eu tinha uma vida campeira e dulcíssima, suja, sem insetos, à vontade, cheia de abelhas, gado e bagaço de azeitonas. Então, eu, homem do campo, casei-me com a sobrinha de Mégacles, filho de Mégacles, moça da cidade, orgulhosa, arrogante e caprichosa. Quando casei, deitei-me com ela cheirando a mosto, figos secos, lã e abundância, ao passo que ela cheirava a mirra, açafrão, beijos ardentes, despesas, glutonia, Colíada e Genetílide. Não direi que era ociosa, mas tecia. Eu, mostrando a ela este manto, dizia o seguinte, como pretexto: “mulher, teces demais”. (UFRGS).

Ah! Por que não morreu miseravelmente a fofoqueira que pôs em minha cabeça a idéia de me casar com sua mãe? Eu levava uma vida feliz de caipira; minha existência era simples e dura, sem frescuras; eu tinha uma porção de colméias, ovelhas, bagaço de azeitonas… De repente me casei com a sobrinha de Megaclés, filho do nobre Megaclés, eu, um caipira, e ela uma moça da cidade, uma senhorita, uma pretensiosa, metida a grande dama. No dia do casamento, ao lado dela na mesa, eu cheirava a vinho novo, a queijo ainda nas fôrmas, a lã tosada pouco tempo antes— a abundância!; ela cheirava a perfumes, a açafrão, a beijos amorosos – despesas, ambição!, devota de Afrodite, padroeira do peru e das atividades dele. Não quero dizer que ela era preguiçosa; ao contrário, as mãos dela estavam sempre ocupadas, e eu mostrava a ela o meu manto com alguma coisa dura por baixo. aproveitando para dizer: “Você sabe mexer muito bem com as mãos, mulher!” (MGK)

E no caso de, tendo obedecido a ti, ele ganhar um rabanete introduzido no rabo95 e ter os pelos pubianos queimados com cal? Terás algum conselho para dar, para que ele não fique com o cu arregaçado?

Se ficar com cu arregaçado, qual o mal?

Acaso poderia ele sofrer, em alguma ocasião, algum mal maior do que esse? (UFRGS)

Mas como? Se um deus deixar que enfiem um nabo no traseiro do adúltero por ter levado alguém na sua conversa, e se depilarem o traseiro dele com cinza quente, ele terá alguma palavra a dizer para provar que não é um “traseiro frouxo”?

E se ele for um “traseiro frouxo”, que mal há nisto para ele?

Ou melhor, que lhe poderia acontecer de pior? (MGK)

Traduzir metamorfose

Duas pequenas notas sobre as traduções de A metamorfose por Modesto Carone e por Petê Rissatti.

1) Gregor Samsa não gostava de um funcionário da empresa. Em alemão, o Geschäftsdiener, que pode ser traduzido como o contínuo (Modesto Carone), o atendente da loja (Petê Rissatti), balconista, porteiro ou servente. Gregor diz: Es war eine Kreatur des Chefs, ohne Rückgrat und Verstand. Tradução literal: Era uma criatura do chefe, sem espinha dorsal ou compreensão.

Modesto Carone: Era uma criatura do chefe, sem espinha dorsal nem discernimento.

Petê Rissatti se distancia da frase original: Era um serviçal do chefe, sem tutano nem perspicácia.

Modesto Carone permanece próximo da frase original. É relevante, pois o narrador, transformado em inseto, coloca as características de inseto (invertebrado e não racional) no contínuo. O inseto é o contínuo, os insetos são os outros. Petê Rissatti perde essa referência com sua tradução da frase, além de diminuir a força da expressão original criatura do chefe.

2) A faxineira, ou empregada, uma velha viúva, que tentava ser amistosa com o inseto. Gregor diz: Anfangs rief sie ihn auch zu sich herbei, mit Worten, die siewahrscheinlich für freundlich hielt, wie »Komm mal herüber, alter Mistkäfer!« oder »Seht mal den alten Mistkäfer!«. Em tradução literal: A princípio, ela também o chamava com palavras que provavelmente considerava amigáveis, como “Venha aqui, velho besouro de esterco!” Ou “Olhem para o velho besouro de esterco!”. A palavra importante aqui é Mistkäfer, que significa besouro de esterco, ou besouro rola-bosta. Não é que o inseto fosse um besouro, mas ocorria à imaginação da faxineira chamá-lo assim. É relevante seguir o original pois mostra que o autor não definiu o tipo de inseto mas, a partir da descrição inicial e da visão de um terceiro, o leitor pode configurar o inseto na sua mente. Todavia, Modesto Carone e Petê Rissatti se afastam da intenção do autor.

Modesto Carone: No começo ela também o chamava ao seu encontro, com palavras que provavelmente considerava amistosas, como “venha um pouco aqui, velho bicho sujo!” ou “vejam só o velho bicho sujo!”.

Petê Rissatti: No início, ela o chamava também para si com palavras que provavelmente ela considerava amigáveis, como “Venha cá, velho bicho nojento!” ou “Vejam só o velho bicho nojento!”.

Capítulo 22.9 – Sodoma e Gomorra

Capítulo 22.9 – Sodoma e Gomorra

Sodoma e Gomorra, Marcel Proust. O protagonista já não amava Gilberte, depois de tanto sofrimento e ciúme. Os humanos não sabem o que é amor, amam a si mesmos amando, sofrem por si mesmos sofrendo, amam a imagem de si como seres amorosos, confundem amor e posse, confundem sexo, desejo, atração e amor.

Je n’aimais plus Gilberte. Elle était pour moi comme une morte qu’on a longtemps pleurée, puis l’oubli est venu, et, si elle ressuscitait, elle ne pourrait plus s’insérer dans une vie qui n’est plus faite pour elle. Je n’avais plus envie de la voir ni même cette envie de lui montrer que je ne tenais pas à la voir et que chaque jour, quand je l’aimais, je me promettais de lui témoigner quand je ne l’aimerais plus.

Eu não amava mais Gilberte. Ela era para mim como uma morta que se chorou por longo tempo, então o esquecimento veio, e, se ela ressuscitasse, não mais poderia se inserir em uma vida que não era mais feita para ela. Eu não tinha mais o desejo de vê-la, nem mesmo aquele desejo de mostrar a ela que eu não tinha o desejo de vê-la e que, a cada dia, quando eu a amava, eu me prometia de lhe testemunhar quando eu não a amasse mais.

(Tradução do autor).

Notas sobre Romeu e Julieta, de William Shakespeare

Notas sobre Romeu e Julieta, de William Shakespeare
Paulo Mendes

Romeu e Julieta, William Shakespeare (1594)

Todo mundo conhece a história famosa, mesmo sem ter lido sequer uma linha da peça. Resumo resumido: jovens de famílias inimigas se apaixonam, casam em segredo e se suicidam devido a uma falha de comunicação.

Resumo expandido. As famílias Montéquio (Montague) e Capuleto (Capulet) são inimigas, como tantas no interior do Nordeste do Brasil. Romeu Montéquio conhece Julieta Capuleto em uma festa na casa do pai dela e trocam dois beijos. O Conde Páris é um ilustre pretendente a casar com Julieta. Todavia, o Frei Lourenço celebra, em segredo, o casamento dos recém-apaixonados. A seguir, em uma briga de rua entre as famílias inimigas, Mercutio, amigo de Romeu é morto, e este mata Tybalt, um Capuleto. O Príncipe de Verona ordena o exílio de Romeu e ele foge para Mântua. O pai de Julieta providencia o casamento dela com Paris. Desesperada, ela pede conselho ao Frei Lourenço. O Frei dá a Julieta uma poção que simulará a morte dela por quarenta e duas horas, mas, ao final do efeito, a moça despertará. O plano é que, após colocarem o corpo de Julieta no jazigo da família, ela desperte e possa fugir com Romeu. Para isso, o Frei enviará carta a Romeu contando do plano e pedindo a presença dele. Julieta toma a poção e todos a consideram morta. Ela é levada ao jazigo. A carta do Frei não chega a Romeu. No ínterim, um amigo de Romeu viaja para Mântua e o informa da morte da amada. Romeu compra um forte veneno e volta a Verona para se matar junto ao corpo da moça. No jazigo dos Capuleto, ele encontra com o Conde Páris; eles brigam e Romeu o mata. Frente ao corpo de Julieta, Romeu toma o veneno e morre. Julieta desperta e se desespera com a morte do rapaz. O Frei Lourenço chega e tenta consolá-la. Entretanto, Julieta toma a adaga de Romeu e se mata. As famílias e o Príncipe se reúnem no jazigo e determinam o fim da inimizade. O Príncipe declara que nunca houve história tão triste quanto a de Julieta e Romeu.

Romeu e Julieta é uma peça que sempre evitei ler porque achava que seria tola demais, romântica demais. Contudo, apesar do romantismo exacerbado do casal, a peça é fácil de ler, muito divertida e interessante. É notável que, apesar de todas as partes cômicas, o autor anuncia a tragédia diversas vezes por meio de falas em que os personagens citam a morte.

Quem lê a peça pela primeira vez pode ficar admirado com alguns aspectos da trama: (1) a peça parece uma comédia, na maior parte do tempo, (2) Romeu já começa a peça perdidamente apaixonado, mas não por Julieta que ainda irá conhecer na festa, (3) a grande quantidade de alusões sexuais e (4) a tenra idade de Julieta, apenas treze anos.

Como em todas as peças de WS que conheço, há muitas cenas divertidas e picantes, bem como trocadilhos e palavrões. Shakespeare sempre mesclava momentos de tensão com momentos leves, mesmo nas tragédias, e aqui há longos trechos cômicos, em especial com Mercutio e com a Ama de Julieta. Uma das personagens mais fascinantes é a Ama. A maior parte das cenas em que ela participa é revestida de comicidade, exceto quando ela encontra a garota aparentemente morta.

A idade da garota impressiona o leitor de hoje: Julieta tem treze anos e faltam alguns dias para completar quatorze. Sabemos que era costume as pessoas casarem cedo, especialmente as mulheres, mas a tenra idade assusta. Entretanto, é dito na peça que há, em Verona, moças mais jovens que Julieta e que já são mães felizes. De todo modo, as falas da personagem não correspondem à idade dela, a não ser quanto à ingenuidade do amor imediato, infinito e romântico.

A idade de Romeu não é declarada na peça, mas se pode deduzir que é um jovem rapaz. É importante destacar o Romeu tolamente apaixonado do início, sofrendo pelo amor de outra moça, Rosaline, que não lhe corresponde. Rapidamente, tal paixão vai desaparecer (ou ser desviada) quando ele conhece a filha dos Capuleto, revelando a volatilidade e a impetuosidade das paixões juvenis.

Parafraseando Tatiana Feltrin, em um de seus vídeos no Youtube, é ridículo que, atualmente, pessoas escrevam cartas sobre amor e dificuldades amorosas para uma menina de treze anos que trocou dois beijos com um rapaz, casou no dia seguinte e se matou dois dias depois. Evidentemente, tal menina, se houvesse exisitido, não teria nada naquela cabecinha oca, tampouco conselhos a dar. Ademais, Julieta não existiu e a casa em Verona é tão somente uma tola ficção para turistas desavisados. Acerca de um tal filme sobre cartas para a menina bobinha, eu não consegui assistir nem dois minutos daquela papagaiada.

Mas, voltemos: a peça do Bardo é divertida e trágica, o amor dos jovens apaixonados é ingênuo, volátil, desesperado, é tudo ou nada, infantil, é quero porque quero.

Vale muito a pena conhecer a peça na forma como escrita pelo Bardo e não apenas pelo que sabemos de ouvir dizer, de imaginar, ou de trechos de filmes e adaptações.

A edição da Penguin Companhia é muito boa, como todas as edições deste selo. A introdução de Adrian Poole, entre outros pontos, destaca os “duplos” da peça: a Ama e Mercutio vistos como a consciência brincalhona e impudica de Julieta e de Romeu, respectivamente; Frei Lourenço e o apotecário vistos como especialistas em poções, um benéfico e o outro malfazejo.

A tradução é boa, sim, e permite a leitura rápida e fluida da peça. Há, no original, muitos trocadilhos e piadas intraduzíveis ou incompreensíveis hoje, e o tradutor adaptou tudo isso, com brilho e sem perder o contexto. Naturalmente, uma tradução nunca agradará a todos. Como já escrevi algumas vezes, prefiriria uma tradução que não se prendesse a métrica e rima, porque, para mim, é mais importante conhecer as frases reais compostas pelo Bardo. Na tradução de José Francisco Botelho, as frases são modificadas para acompanhar os versos do autor: não perdem o sentido, mas não é o mais próximo possível da escrita original de WS. Abaixo, nos trechos selecionados, mostro um único exemplo de cotejamento entre o original em inglês, uma tradução mais literal, minha, e a tradução de Botelho. Além das questões de tradução, não gostei de se denominar o farmacêutico (apotecário, apothecary em inglês) de “herbanário”, e das versões dos nomes de Mercutio (Mercúcio) e Tybalt (Teobaldo). Idiossincrasias minhas.

Infelizmente, a capa desta edição é muito feia, convenhamos, mesmo sendo uma foto de Annie Leibovitz; nem mesmo fotógrafos famosos estão livres de fazer uma foto ruim.

Enfim, uma obra excepcional que merece ser conhecida diretamente, não apenas a partir da cultura popular, da qual faz parte de forma indissociável. Espero que os trechos selecionados, escolhidos e traduzidos por mim, mostrem um pouco da excelência de William Shakespeare.

romeu

Trechos (com minha tradução sem rima e sem métrica):

É curioso que o coro, logo no início da peça, já conta toda a história.

Coro:
Duas famílias, iguais em dignidade,
Na bela Verona, onde colocamos o cenário,
Do antigo rancor ao novo escarcéu,
No qual o sangue cidadão torna impuras as mãos cidadãs.

Filhos dos lombos fatais desses dois inimigos
Um par de amantes desaventurados tira a própria vida;
Esta ruína infeliz e comovente,
Tal morte, fez sepultar a contenda de seus pais.

A passagem terrível desse amor funesto,
E a contínua inimizade entre as famílias,
Que nada poderia remover, exceto o final trágico dos filhos,
Mostramos agora, durante duas horas em nosso palco;

O que faltou, se você tem ouvidos pacientes para escutar,
Nosso trabalho vai se esforçar para completar.

Chorus:
Two households, both alike in dignity,
In fair Verona, where we lay our scene,
From ancient grudge break to new mutiny,
Where civil blood makes civil hands unclean.
From forth the fatal loins of these two foes
A pair of star-cross’d lovers take their life;
Whose misadventur’d piteous overthrows
Doth with their death bury their parents’ strife.
The fearful passage of their death-mark’d love,
And the continuance of their parents’ rage,
Which, but their children’s end, nought could remove,
Is now the two hours’ traffic of our stage;
The which if you with patient ears attend,
What here shall miss, our toil shall strive to mend.

*

Romeu:
O amor é uma fumaça feita com o vapor dos suspiros;
se for honesto, é um fogo brilhando nos olhos dos amantes,
se frustrado, é um mar alimentado com lágrimas amorosas.
O que mais? Uma loucura discreta,
um fel asfixiante, e um carinho guardado.

Romeo:
Love is a smoke made with the fume of sighs,
Being purg’d, a fire sparkling in lovers’ eyes,
Being vex’d, a sea nourish’d with loving tears.
What is it else? a madness most discreet,
A choking gall, and a preserving sweet.

A seguir, a tradução de José Francisco botelho para o mesmo trecho, como está na edição Penguin.

Romeu:
O amor é fumo aceso em ventos suspirantes;
se satisfeito, brilha – um fogo entre os amantes;
negado, vira um mar de tormentoso pranto.
E o que mais é o amor? Discreta insanidade;
é fel que engasga o peito e é doce amenidade.
(Tradução de José Francisco Botelho).

*

Tais frases de amor de Romeu, no início da peça, não são para Julieta e sim para uma tal de Rosaline, uma moça que não se interessa por ele.

Romeu:
Ora, eu perdi a mim mesmo, eu não estou aqui:
este não é Romeu, ele está em algum outro lugar.

Romeo:
Tut, I have lost myself, I am not here:
This is not Romeo, he’s some other where.

*

O Conde Páris pediu a mão de Julieta e quer uma resposta de Capuleto, o pai.

Capuleto:
Respondo o que já disse antes:
minha criança é ainda uma estrangeira no mundo,
ela nem viu a mudança para quatorze anos;
deixemos mais dois verões murcharem suas vaidades,
antes que pensemos que ela está madura para ser uma noiva.

Páris:
Mais jovens que ela já se tornaram mães felizes.

Capulet:
But saying o’er what I have said before:
My child is yet a stranger in the world,
She hath not seen the change of fourteen years;
Let two more summers wither in their pride,
Ere we may think her ripe to be a bride.

Paris:
Younger than she are happy mothers made.

*

Lady Capuleto fala com Julieta sobre casamento:
Casamento, casamento, este é o vero tema que venho te falar.
Diga-me, filha, como está tua disposição para casar?

Julieta:
É uma honra com a qual eu não sonho.

[…]

Lady Capuleto:
Pois pense, sim, em casamento agora; mais jovens que tu,
aqui em Verona, senhoras de respeito
já se tornaram mães. Pelas minhas contas,
eu era tua mãe antes desses anos
em que és, ainda, uma virgem. Curto e rasteiro:
o valoroso Páris te quer para esposa.

Lady Capulet:
Marry, that ‘marry’ is the very theme
I came to talk of. Tell me, daughter Juliet,
How stands your dispositions to be married?

Juliet:
It is an honor that I dream not of.

[…]

Lady Capulet:
Well, think of marriage now; younger than you,
Here in Verona, ladies of esteem,
Are made already mothers. By my count,
I was your mother much upon these years
That you are now a maid. Thus then in brief:
The valiant Paris seeks you for his love.

*

Romeu e Mercutio conversam.

Romeu:
O amor é algo terno? É muito duro,
muito rude, muito turbulento, e fura como um espinho.

Mercutio:
Se o amor é duro contigo, seja duro com o amor,
fure o amor por diversão e derrotarás o amor.

Romeo:
Is love a tender thing? It is too rough,
Too rude, too boist’rous, and it pricks like thorn.

Mercutio:
If love be rough with you, be rough with love;
Prick love for pricking, and you beat love down.

*

Romeu e Julieta se conhecem na festa dos Capuleto, trocam dois, somente dois, beijos e se apaixonam “perdidamente”, sem sequer saberem quem são.

Romeu:
Ela é uma Capuleto? Tenho agora uma dívida querida, minha vida pertence ao meu inimigo.

Romeo:
Is she a Capulet? O dear account! my life is my foe’s debt.

[…]

Julieta:
Vai, pergunta o nome dele. Se for casado,
o túmulo será meu leito nupcial.

Ama:
Seu nome é Romeu, e é um Montéquio,
o único filho de teu grande inimigo.

Julieta:
Meu único amor brotou de meu único ódio!
Muito cedo visto como um desconhecido, e descoberto muito tarde!
Prodigioso nascimento do amor é este,
devo amar um inimigo odiento.

Juliet:
Go ask his name. If he be married,
My grave is like to be my wedding-bed.

Nurse:
His name is Romeo, and a Montague,
The only son of your great enemy.

Juliet:
My only love sprung from my only hate!
Too early seen unknown, and known too late!
Prodigious birth of love it is to me
That I must love a loathed enemy.

*

Trechos da cena famosa em que Romeu está no jardim e Julieta na janela.

Julieta:
Romeu, Romeu, por que tu és Romeu?
Nega o teu pai e renuncia ao teu nome.
Ou, se não quiseres, mas jurares meu amor,
eu não serei mais uma Capuleto.
[…]
Afinal, o que é Montéquio? Não é uma mão nem um pé,
um braço ou um rosto, nem qualquer outra parte,
pertencente a um homem. Oh, Romeu, torne-se algum outro nome.
O que há em um nome? Aquilo que chamamos rosa,
com qualquer outro nome teria o mesmo perfume.

Juliet:
O Romeo, Romeo, wherefore art thou Romeo?
Deny thy father and refuse thy name;
Or, if thou wilt not, be but sworn my love,
And I’ll no longer be a Capulet.
[…]
What’s Montague? It is nor hand nor foot,
Nor arm nor face, nor any other part
Belonging to a man. O, be some other name!
What’s in a name? That which we call a rose
By any other word would smell as sweet;

[…]

Romeu tenta fazer juras, mas é cortado por Julieta, menos etérea do que ele.

Julieta:
Romeu, não jures pela lua, essa inconstante lua,
que sempre muda em sua órbita circular,
a menos que o teu amor se mostre igualmente mutável.

Romeu:
Devo jurar pelo quê?

Julieta:
Não jures, afinal,
ou se quiseres, jures por teu gracioso ser,
que é o deus de minha adoração,
e eu acreditarei em ti.

Juliet:
O, swear not by the moon, th’ inconstant moon,
That monthly changes in her circled orb,
Lest that thy love prove likewise variable.

Romeo:
What shall I swear by?

Juliet:
Do not swear at all;
Or if thou wilt, swear by thy gracious self,
Which is the god of my idolatry,
And I’ll believe thee.

*

Julieta se despede, boa noite.

Romeu:
Vais me deixar, então, insatisfeito?

Julieta:
Que satisfação podes ter esta noite?

Romeo:
O, wilt thou leave me so unsatisfied?

Juliet:
What satisfaction canst thou have to-night?

*

Cena cômica: a Ama chega da rua com recado de Romeu, mas fica fazendo cena para dar o recado, e Julieta se consome de ansiedade.

Julieta:
Como estás sem fôlego se tens fôlego
para me dizer que estás sem fôlego?

Juliet:
How art thou out of breath, when thou hast breath
To say to me that thou art out of breath?

Enfim, a Ama o transmite recado de Romeu, mas com alusões sexuais.

Ama:
Então, corra para a cela de Frei Lourenço,
há lá um marido para te fazer de esposa.
Agora vejo o sangue luxurioso em tuas bochechas,
elas ficam vermelhas com qualquer notícia.
Corra para a igreja, eu vou para outro lado,
arranjar uma escada, pois teu amor
deve escalar o ninho do passarinho logo que escurecer.
Eu faço o trabalho pesado para o teu deleite,
mas tu quem vais suportar a carga logo mais à noite.
Vai, eu vou jantar, corra para a cela.

Nurse:
Then hie you hence to Friar Lawrence’ cell,
There stays a husband to make you a wife.
Now comes the wanton blood up in your cheeks,
They’ll be in scarlet straight at any news.
Hie you to church, I must another way,
To fetch a ladder, by the which your love
Must climb a bird’s nest soon when it is dark.
I am the drudge, and toil in your delight;
But you shall bear the burthen soon at night.
Go, I’ll to dinner, hie you to the cell.

*

Frei Lourenço aconselha Romeu:
Esses prazeres violentos têm finais violentos,
e em seu triunfo morrem, como fogo e pólvora,
que se beijam e se consomem no mesmo instante. O mel mais doce
é repugnante em sua própria gostosura,
e seu sabor confunde o apetite.
Portanto, amem moderamente: o amor duradouro é assim;
quem vai muito rápido chega tão atrasado quanto o muito lento.

Friar Lawrence:
These violent delights have violent ends,
And in their triumph die, like fire and powder,
Which as they kiss consume. The sweetest honey
Is loathsome in his own deliciousness,
And in the taste confounds the appetite.
Therefore love moderately: long love doth so;
Too swift arrives as tardy as too slow.

O frei não confia em deixar fogo e pólvora juntos.

Frei Lourenço:
Venham, venham comigo, vamos fazer uma cerimônia curta,
garanto que não ficarão sozinhos
até que a Santa Igreja incorpore dois em um.

Friar Lawrence:
Come, come with me, and we will make short work,
For by your leaves, you shall not stay alone
Till Holy Church incorporate two in one.

*

Antes da luta fatal com Tybalt, Romeu se diz enfraquecido por amar Julieta; é sensação semelhante àquela da qual fala o general Otelo acerca do amor por Desdêmona. Romeu prevê dias funestos.

Romeu:
[…] Doce Julieta,
tua beleza tornou-me afeminado,
e em meu temperamento suavizou-se o aço da bravura!

Romeo:
[…] O sweet Juliet,
Thy beauty hath made me effeminate,
And in my temper soft’ned valor’s steel!

Romeu:
Este dia de fatal destino contamina o futuro,
tal desgraça vai chegar a muitos outros dias.

Romeo:
This day’s black fate on moe days doth depend,
This but begins the woe others must end.

Lady Capuleto:
Imploro por justiça que tu, Príncipe, deve conceder:
Romeu matou Tybalt, Romeu não deve viver.

Lady Capulet:
I beg for justice, which thou, Prince, must give:
Romeo slew Tybalt, Romeo must not live.

*

Amanhece, depois da noite que os amantes passaram juntos; Romeu tem que fugir de Verona.

Romeu:
Mais luz e luz, mais sombrios nossos infortúnios.

Romeo:
More light and light, more dark and dark our woes!

*

Julieta tomou a poção do frei e parece morta. Este trecho da peça traz um tema curioso para a tradução. O personagem Capuleto se refere à Morte (Death) no masculino. Em algumas culturas e línguas, a personificação da Morte é masculina, em outras a Morte é vista como mulher. Nós a percebemos como mulher, bem como os mexicanos (La Catrina, la muerte) e franceses (la mort, la petite mort). Em inglês, a princípio, o substantivo morte é “it”, sem gênero, mas é comum o uso de “he”, masculino. O Bardo escolheu a Morte no masculino e as frases de Capuleto só fazem sentido assim, por conta das alusões sexuais: ele, “o” Morte, deitou com Julieta, deflorou-a, casou com ela, tornou-se o genro e herdeiro de Capuleto. Por este motivo, optei traduzir Death por Senhor Morte, embora haja outras soluções. José Francisco Botelho, por exemplo, escolheu “o anjo da morte”; não gostei dessa opção porque “anjo” não é uma palavra que implique uma ação sexual.

Capuleto:
Deixem-me vê-la. Ela está fria,
seu sangue está paralisado e suas articulações rígidas;
a vida e estes lábios foram separados de há muito.
O Senhor Morte deitou sobre ela como uma geada prematura
sobre a mais doce flor de todos os campos.

[…]

Frei Lourenço:
A noiva está pronta para ir à igreja?

Capuleto:
Pronta para ir e nunca retornar.
Oh, filho, na noite anterior ao dia do casamento,
o Senhor Morte deitou com tua esposa. Lá está ela.
Ela era uma flor e foi por ele deflorada.
O Senhor Morte é o meu genro agora, e meu herdeiro,
minha filha se casou com ele. Eu morrerei
e lhe deixarei tudo: a vida, o viver, tudo é da Morte.

Capulet:
Hah, let me see her. Out alas, she’s cold,
Her blood is settled, and her joints are stiff;
Life and these lips have long been separated.
Death lies on her like an untimely frost
Upon the sweetest flower of all the field.

[…]

Friar Lawrence:
Come, is the bride ready to go to church?

Capulet:
Ready to go, but never to return.
O son, the night before thy wedding-day
Hath Death lain with thy wife. There she lies,
Flower as she was, deflowered by him.
Death is my son-in-law. Death is my heir,
My daughter he hath wedded. I will die,
And leave him all; life, living, all is Death’s.

*

Antes da chegada de Baltazar com notícias funestas de Verona, Romeu teve um sonho.

Romeu:
Se posso confiar na verdade lisonjeira do sono,
meus sonhos pressagiam alvissareiras notícias em breve.
[…]
Eu sonhei que minha amada chegava e me encontrava morto –
sonho esquisito, aquele que dá a um homem morto a capacidade de pensar!

Romeo:
If I may trust the flattering truth of sleep,
My dreams presage some joyful news at hand.
[…]
I dreamt my lady came and found me dead –
Strange dream, that gives a dead man leave to think!

*

Romeu insiste com o apotecário para que lhe venda o veneno.

Romeu:
A fome está na tua face,
necessidade e opressão esfomeiam teus olhos,
desprezo e penúria pesam sobre tuas costas.
O mundo não é teu amigo, tampouco as leis do mundo,
o mundo não faz lei para te enriquecer;
então, não sejas pobre, quebra as leis e toma este ouro.

Romeo:
Famine is in thy cheeks,
Need and oppression starveth in thy eyes,
Contempt and beggary hangs upon thy back;
The world is not thy friend, nor the world’s law,
The world affords no law to make thee rich;
Then be not poor, but break it, and take this.

*

Lady Capuleto ao ver os jovens amantes mortos:
Oh Deus, esta visão fatal é como um sino
que encaminha minha velhice à sepultura.

Lady Capulet:
O me, this sight of death is as a bell
That warns my old age to a sepulchre.

*

Amanhece e o Príncipe de Verona encerra a peça:
Esta manhã traz uma paz sombria,
o sol, entristecido, não mostrará sua face.
Precisamos saber mais sobre esses infaustos acontecimentos.
Alguns serão perdoados e alguns punidos:
pois, nunca houve uma história mais infeliz
que esta de Julieta e do seu Romeu.

Prince Escalus:
A glooming peace this morning with it brings,
The sun, for sorrow, will not show his head.
Go hence to have more talk of these sad things;
Some shall be pardon’d, and some punished:
For never was a story of more woe
Than this of Juliet and her Romeo.

Frei Lourenço

Frei Lourenço aconselha Romeu:

Esses deleites violentos têm finais violentos, e em seu triunfo morrem, como fogo e pólvora que quando se beijam se consomem. O mel mais doce é repugnante em sua própria gostosura, e seu sabor confunde o apetite. Portanto, amem moderamente: o amor duradouro é assim; o rápido chega tão atrasado quanto o lento.

Friar Lawrence: These violent delights have violent ends, And in their triumph die, like fire and powder, Which as they kiss consume. The sweetest honey Is loathsome in his own deliciousness, And in the taste confounds the appetite. Therefore love moderately: long love doth so; Too swift arrives as tardy as too slow.

William Shakespeare, Romeo and Juliet.

Nova tradução de Hamlet

A Folha de São Paulo fala em uma nova tradução de Hamlet por Geraldo Carneiro. Este diz que “todas as escolhas foram em direção ao melhor entendimento”. Só consultando a obra para saber se é boa a tradução. O tradutor diz, ainda, que gostaria de uma futura edição bilíngue. Isto é essencial para Shakespeare, penso, e que cada edição contenha muitas notas. A tradução de Lawrence Flores Pereira me pareceu muito boa e as notas muito interessantes e elucidativas.

Fiquei pensando que não se deveria “atualizar” a linguagem de Shakespeare visto que alguns dos temas tratados são próprios da época. Daí, a linguagem pomposa se relaciona bem com as questões. Ficaria estranho falar de pureza e virgindade (Ofélia) e do absurdo desejo sexual em uma mulher mais velha (Gertrudes) em linguagem atual.

Macbeth, Ato 1, Cena 3

Como exercício, inventei de traduzir mais uma cena de Macbeth. É difícil para mim, mas o resultado é prazeroso e traz grande aprendizado sobre a obra e os personagens.

Ato 1, Cena 3.
Uma charneca perto de Forres.
(Trovão. Entram as três feiticeiras.)

Primeira feiticeira
Por onde tu tens estado, irmã?

Segunda feiticeira
Matando suínos.

Terceira feiticeira
E tu, irmã?

Primeira feiticeira
A esposa de um marinheiro trazia castanhas no colo,
E mastigava, e mastigava, e mastigava:
– “Dê-me”, eu disse:
“Não são para ti, bruxa” gritou a gorda sarnenta.
O marido dela está indo para Alepo, Tigre é seu navio:
Em uma peneira eu navegarei para lá, (1)
E como um rato sem rabo,
Eu vou roer, eu vou roer, e eu vou roer.

Segunda feiticeira
Eu te darei um vento.

Primeira feiticeira
Que gentileza.

Terceira feiticeira
E eu te darei outro.

Primeira feiticeira
Eu mesma tenho outros;
E por muitos portos eles sopram,
De todos os cantos conhecidos
No mapa do marinheiro.
Eu o secarei como uma palha:
Ele não dormirá dia e noite
Suas pálpebras sempre abertas;
Se tornará um homem condenado:
Fatigado sete noites nove vezes nove
Ele enfraquecerá, sobe, desce, sobe:
Embora o barco não se perca,
A tempestade será inclemente.
Olhem o que eu tenho.

Segunda feiticeira
Mostra, mostra.

Primeira feiticeira
Tenho aqui o polegar de um piloto,
Que naufragou quando ia para casa.

(Som de tambor)

Terceira feiticeira
Um tambor, um tambor!
Macbeth chega.

Todas
As irmãs videntes de mãos dadas,
Viajantes do mar e da terra,
Então irão sobre, sobre:
Três vezes para vós, e três vezes para nós,
E três vezes de novo, para completar nove:
– Paz! – o feitiço foi lançado.

(Entram Macbeth e Banquo. Soldados a alguma distância.)

Macbeth
Um dia tão detestável e tão justo ainda não tinha visto.

Banquo
Quanto falta para Forres? Quem são aquelas
Tão secas e tão selvagens em suas vestes,
Que não parecem habitantes da terra,
E ainda assim estão sobre ela? Estão vivas? Ou são algo
Que pode nos intrigar? Vocês parecem me compreender,
Pois seus dedos rachados cobrem
Seus lábios finos: – poderiam ser mulheres,
Mas suas barbas me proíbem julgar
Que o são.

Macbeth
Falem se conseguem; o que são vocês?

Primeira feiticeira
Salve ambos. Salve, Macbeth, thane de Glamis!

Segunda feiticeira
Salve ambos. Salve, Macbeth, thane de Cawdor!

Terceira feiticeira
Salve todos, Macbeth, que será rei no futuro!

Banquo
Bom senhor, por que parece temer
Coisas que soam tão belas? Em nome da verdade,
São vocês sobrenaturais, ou aquilo que de fato
A aparência nos mostra? Meu nobre companheiro
Vocês agradaram com essa dádiva, e grandes previsões
De nobreza e de real esperança
Que ele parece extremamente fascinado: para mim, não falaram:
Se vocês podem olhar nas sementes do tempo,
E dizer qual grão vingará e qual não,
Falem, então, para mim, que não imploro nem temo
seus favores tampouco seu ódio.

Primeira feiticeira
Salve!

Segunda feiticeira
Salve!

Terceira feiticeira
Salve!

Primeira feiticeira
Menor que Macbeth, e maior.

Segunda feiticeira
Não tão feliz, e muito mais feliz.

Terceira feiticeira
Tu farás reis, mas não serás nada:
Então, salve ambos, Macbeth e Banquo.

Primeira feiticeira
Banquo e Macbeth, salve!

Macbeth

Fiquem, falantes imperfeitas, contem-me mais:
Pela morte de Sinel, sei que sou o thane de Glamis; (2)
Mas como de Cawdor? O thane de Cawdor vive, (3)
Um próspero cavalheiro; e ser rei
Está fora da possibilidade de crença
Não mais que ser Cawdor. Digam de onde
Tiraram esse estranho conhecimento? Ou por que
Nesta insípida charneca interromperam nosso caminho
Com tais bem-aventuranças proféticas? Falem, eu ordeno.

(As feiticeiras desaparecem.)

Banquo
A terra tem bolhas, como a água tem,
E estas são delas: como desapareceram?

Macbeth
No ar; e aquilo que parecia corpóreo misturou-se
Como a respiração ao vento. Elas deviam ter ficado!

Banquo
Tais coisas estiveram aqui e falamos com elas?
Ou comemos raízes maléficas
Que deixam prisioneira a razão?

Macbeth
Teus filhos serão reis.

Banquo
Tu serás rei.

Macbeth
E thane de Cawdor também, não foi isso?

Banquo
Com o mesmo tom e as mesmas palavras.
Quem vem lá?

(Entram Ross e Angus.)

Ross
O rei recebeu com felicidade, Macbeth,
As notícias do teu sucesso: e quando ele soube
Da tua ventura pessoal na luta contra os rebeldes,
A admiração e gratidão dele combateram
Acerca de qual deveria ser tua, qual deveria ser dele; emudecido,
Em vista de tudo que aconteceu naquele dia,
Ele soube de ti nas difíceis posições norueguesas,
Sem temor daquilo que tu fizeste, (4)
Estranhas imagens da morte. Tão espesso quanto granizo
Veio mensagem após mensagem; e cada uma confirmou
Teu empenho na imensa defesa do reino dele,
E submeteste a todos perante o rei.

Angus
Nós fomos enviados
Para te dar os agradecimentos de sua real majestade;
Somente para te agradecer no lugar dele,
Não para te pagar.

Ross
E para cúmulo de uma honra imensa,
Ele me ordenou, da parte dele, chamar-te thane de Cawdor:
O mais valoroso thane, salve, adiciona mais um
Título aos teus.

Banquo
(À parte.) Como é possível que o demônio fale a verdade?

Macbeth
O thane de Cawdor vive: por que você me veste
Com roupas de empréstimo?

Angus
Aquele que foi o thane ainda vive;
Mas sob severo julgamento confirmou que tal vida
Serve-lhe somente para perdê-la. Se ele estava aliado
Com aqueles da Noruega, ou alinhou-se aos rebeldes
Com secreta ajuda e vantagem, ou com ambos
Trabalhou para a derrocada de seu país, eu não sei.
Todavia traições capitais, confessadas e provadas,
Caíram sobre ele.

Macbeth

(À parte.) Glamis, e thane de Cawdor!
O melhor está por vir. (Para Ross e Angus.)
Meus agradecimentos pelo incômodo.
(Para Banquo, à parte.) Tu agora esperas que teus filhos se tornem reis,
Visto que aquelas que me deram o thane de Cawdor
Não prometeram menos para eles?

Banquo
(À parte para Macbeth) Aquilo, caro senhor,
Pode ainda inspirá-lo para a coroa,
Além de thane de Cawdor. Mas é estranho:
Frequentemente, para nos levar à destruição
Os instrumentos das trevas nos falam verdades;
Convencem-nos com honestas ninharias, para nos afundar
Em severas consequências.
Primos, uma palavra, eu peço.

Macbeth
(À parte) Duas verdades foram previstas,
Como feliz prólogo para o expansivo ato
Do tema imperial.
Eu agradeço a vocês, cavalheiros.
(À parte) Este sobrenatural convite
Não pode ser mau; não pode ser bom: se mau,
Por que me teriam dado a prova do sucesso,
Iniciando pela verdade? Eu sou thane de Cawdor:
Se bom, porque produziriam tal sugestão
Cuja terrível imagem faz arrepiar meu cabelo,
E faz meu coração se chocar com as costelas
Contra o costume natural? Os temores presentes
São menores que as horríveis fantasias:
Meu pensamento, no qual o assassinato ainda é fantástico,
Sacode minha solitária condição de homem, cuja função
É sufocada no pressentimento; e nada é
Tampouco não é.

Banquo

Olhem, como nosso companheiro está fascinado.

Macbeth
(À parte) Se o acaso me quer rei, o acaso
Deve me coroar,
Sem meu movimento.

Banquo
Novas honrarias caem sobre ele
Como estranhas armaduras, não apegadas ao modelo
Mas com a ajuda do costume.

Macbeth
(À parte) Aconteça o que acontecer,
O tempo e a hora passam até pelo mais difícil dia.

Banquo
Honorável Macbeth, permanecemos a seu dispor.

Macbeth
Perdoem-me: meu tolo cérebro estava tomado
Com coisas esquecidas. Gentis cavalheiros, seus préstimos
Estão registrados e a cada dia eu voltarei
A página para lê-los. Vamos ao rei.
(Para Banquo) Medite sobre os acontecimentos e, mais tarde,
Havendo sopesado-os, conversaremos
Com nossos corações abertos um para o outro.

Banquo
Com muito prazer.

Macbeth
Até lá então. Vamos, amigos.

————-

(1) Peneiras faziam parte da cozinha de uma feiticeira. Um texto de 1591, Newes from Scotland, relata que duzentas feiticeiras de uma vez atravessaram o mar em suas peneiras.

(2) Sinel foi o pai de Macbeth do qual ele herdou o título de thane de Glamis.

(3) Deve ser erro de continuidade visto que Macbeth deveria saber sobre a traição de Cawdor.

(4) As estranhas imagens da morte são os corpos que restaram nos campos de batalhas.

Macbeth, Ato 1, Cena 1

Tradução é fascinante. Não há tradução automática. Não há tradução fiel possível. No caso de Shakespeare, dois caminhos principais, ouço falar: traduzir tentando manter rima e versos; traduzir frase mais próxima possível do original. Abaixo, meu exercício de tradução literal da Cena 1, Ato 1, de Macbeth e depois a tradução de Bárbara Heliodora.

Ato 1
Cena 1. Um espaço aberto.
(Trovão e raio. Entram três feiticeiras.)
Primeira feiticeira
Quando nos encontraremos novamente
Com trovão e raio, ou na chuva?
Segunda feiticeira
Quando a confusão estiver terminada,
Quando a batalha estiver perdida e ganha.
Terceira feiticeira
Será antes do anoitecer.
Primeira feiticeira
Em que lugar?
Segunda feiticeira
Na charneca.
Terceira feiticeira
Lá encontraremos Macbeth.
Primeira feiticeira
Eu vou, Graymalkin! (1)
Segunda feiticeira
Paddock chama.
Terceira feiticeira
Logo!
Todas
O justo é sujo e o sujo é justo:
Flutuam através do nevoeiro e do ar sujo.

(1) Graymalkin e Paddock são espíritos maliciosos que ajudam as feiticeiras e que tomam a forma de um animal. Graymalkin é um gato e Paddock é um sapo. Na peça, se ouviria um miado e um coaxar chamando as bruxas. A terceira bruxa tem como ajudante uma harpia, que não aparece no primeiro ato.

Macbeth, William Shakespeare, 1606, tradução e introdução de Bárbara Heliodora, Editora Nova Fronteira.
Ato 1
Cena 1. Uma planície aberta.
(Trovões e raios. Entram as três bruxas.)
Primeira bruxa 
Quando iremos nos juntar?
Com a chuva a trovoar?
Segunda bruxa
Só com a bulha arrefecida,
Ganhar a luta perdida.
Terceira bruxa
Antes da noite caída.
Primeira bruxa
Onde?
Segunda bruxa
A charneca é o lugar.
Terceira bruxa
Para Macbeth encontrar.
Primeira bruxa
Já vou, bichano!
Segunda bruxa
O sapo chama.
Terceira bruxa
Eu já vou!
Todas
Bom é mau e mau é bom
Voa no ar sujo e marrom.

Adlestrop – Edward Thomas

Adlestrop – Edward Thomas (tradução de Paulo Mendes)

Sim, eu me lembro de Adlestrop –
O nome, porque em uma tarde
De calor, o trem expresso parou lá
Inesperadamente. Foi no final de junho.

O silvo do vapor. Alguém limpou a garganta.
Ninguém desceu e ninguém veio
Da plataforma vazia. O que eu vi
Foi Adlestrop – apenas o nome

E salgueiros, brincos-de-princesa, e grama,
E rainhas-dos-prados, e fardos de feno seco,
Nenhum pedacinho menor na justa solidão
Que as altas nuvenzinhas no céu.

E naquele instante um assum-preto cantou
Ali por perto, e depois dele, em surdina,
Nos longes e além, todos os pássaros
De Oxfordshire e Gloucestershire.

………….

Yes, I remember Adlestrop —
The name, because one afternoon
Of heat the express-train drew up there
Unwontedly. It was late June.

The steam hissed. Someone cleared his throat.
No one left and no one came
On the bare platform. What I saw
Was Adlestrop — only the name

And willows, willow-herb, and grass,
And meadowsweet, and haycocks dry,
No whit less still and lonely fair
Than the high cloudlets in the sky.

And for that minute a blackbird sang
Close by, and round him, mistier,
Farther and farther, all the birds
Of Oxfordshire and Gloucestershire.