A prisioneira – Marcel Proust (1923)

A prisioneira – Marcel Proust (1923). Tradução de Manuel Bandeira e Lourdes Souza de Alencar.

Alguém já disse, e concordo, que se pode começar a ler Em busca do tempo perdido por qualquer um dos sete volumes. Por exemplo, neste A prisioneira há referência a diversos acontecimentos dos volumes anteriores, mas nada que impossibilite a compreensão deste livro específico. Os livros se inter-relacionam mas são quase independentes e, de todo modo, a referência a um acontecimento, passado ou futuro, aumenta o interesse de ler ou reler o trecho. Acontecimentos futuros, sim, pois em cada volume, Proust refere coisas que ainda vão acontecer.

A prisioneira deriva diretamente do parágrafo final do volume anterior, Sodoma e Gomorra, no qual o personagem anuncia à mãe que vai se casar com Albertine.

É curioso observar que, nos quatro livros anteriores, o narrador não tem nome. A história é em primeira pessoa e ninguém diz o nome do personagem. Entretanto, no quinto volume, o autor fala, quase em tom de brincadeira, algo assim: “imagine que o nome do personagem seja Marcel como o nome do autor”. E depois, mais umas duas vezes, Albertine diz Marcel, ao se referir ao personagem.

Então, Marcel anunciou que casaria com Albertine, mas não é o que acontece. De fato, Marcel queria manter Albertine junto a si, em sua casa de Paris, disponível, e, ao mesmo tempo, afastar Albertine do “vício” que ele julga, sem certeza, que ela tem.

“Vício”, na obra de Proust, é o homossexualismo.

Não é possível resumir todos os entrelaçamentos que existem em uma obra tão densa como essa, a todo momento a gente percebe uma curiosidade, um outro nível de relações.

Veja-se que Proust era, até onde sei, homossexual, ou bissexual, entretanto o personagem Marcel é heterossexual e, inclusive, em outro volume, rejeita um convite do Barão de Charlus. Na obra, o homossexualismo é chamado frequentemente de “vício”, e a discussão do tema e dos relacionamentos homossexuais ocupa grande parte da obra, entretanto, na maior parte das vezes, de forma encapsulada, discreta. O próprio Barão de Charlus é ridicularizado na descrição de Proust e ridiculariza outros homossexuais da sociedade da época. No entanto, Charlus apresenta um interesse expressivo em apontar mais participantes do vício. Diz ele que entre cada dez homens, apenas três gostam de mulheres.

Grande parte dos sete volumes é dedicada a discutir o ciúme e o amor. Não um ciúme comum, mas um ciúme obsessivo. Swann foi extremamente ciumento em relação à Odette, Marcel foi ciumento em relação à Gilberte, uma namoradinha da juventude, o Barão de Charlus tem ciúmes do violinista Morel, com quem mantém um caso, e, neste quinto volume, o ciúme obsessivo de Marcel por Albertine é preponderante.

Marcel não sabe se ama ou se é indiferente a Albertine, mas tem ciúme extremo dela, dos pensamentos dela, do passado dela. Ele usufrui dos “prazeres carnais” que Albertine lhe concede, embora não se saiba exatamente que prazeres seriam esses, a linguagem é eufêmica. Para afastar Albertine do vício de “mulheres que gostam de mulheres”, vive com ela em Paris e a vigia constantemente. Albertine faz passeios, levada pelo motorista, o qual é subornado por Marcel para contar todos os detalhes dos passeios. O personagem cascavilha e investiga a vida da coitada da Albertine. O personagem pensa elaborar alguma forma de se separar de Albertine e, ao mesmo tempo, evitar que ela possa ter encontros com antigas amigas e outros homens.

Albertine sofre demais, é dócil e obediente, mas isso não é suficiente para Marcel. E, na minha opinião, Albertine ama Marcel. Não dá para ter certeza disso, pois só conhecemos a história do ponto de vista extremado do autor. De todo modo, tive muita pena de Albertine, todo o tempo, e detestei o egoísmo, o egocentrismo, a preguiça, o descaso, a covardia, a falta de ânimo, o ciúme louco do personagem principal.

Leia Proust. Depois que você se acostuma com os enormes parágrafos, repletos de uma frase dentro da outra e dentro da outra, que devem ser desenroladas pelo leitor, torna-se uma leitura fascinante.

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